Quando comecei a trabalhar lá pelos vinte e poucos anos eu era fisicamente muito saudável. Mas financeiramente não, ganhava menos que um salário mínimo então pra economizar e me manter alerta passei a consumir o café da repartição. Como era um trabalho temporário não houve muito planejamento, me enchia de café e ia seguindo o dia. Passei também a tomar café em casa, antes era adepta apenas de leite puro ou com chocolate. Mas aí o que era temporário se tornou permanente e cinco anos, um tratamento de canal mal feito e muito problemas estomacais depois eu estava plenamente adaptada ao estresse e a doses homéricas de café de repartição. Tentei fugir desde ambiente mas acabei passando dez anos assim, e se tinha uma coisa que me irritava era a moda gourmetizadora que agora se aproximava do café, colegas de trabalho, amigos e garçons passaram a ser entendedores de café, às vezes era impossível chegar numa cafeteria e pedir um café sem ter que responder um questionário sobre preferências. Eu só queria um cafezinho mas antes precisava responder ao enem gourmet com questões de química, física e geografia, sem falar do olhar de horror quando colocava açúcar dentro da xícara de cerâmica artesanal de um artista local onde o café superfaturado era servido, eu já tinha que lidar com os fiscais de xícara durante o expediente dizendo que eu ia morrer por usar açúcar diariamente e agora mais isso.
A questão é que a gourmetização não foi passageira e cafés especiais começaram a ficar mais acessíveis e disponíveis em qualquer supermercado. E eventualmente comprei pra experimentar. Realmente era muito gostoso, e como desempregada tinha bastante tempo pra tomar um cafezinho da tarde. Passei a comprar regularmente, a diferença de preço não era enorme e o sabor compensava a discrepância financeira. Tudo muito lindo, tudo muito bem, sobrevivemos à pandemia, Lula ganhou as eleições, mas aí tivemos secas, chuvas doidas, inconstâncias e o preço do café começou a subir. Subir. Subir. Cada ida ao mercado era um susto, então resolvi voltar ao café tradicional que hoje era mais caro que o gourmet que comprava no começo dessa história. Cheguei em casa muito faceira e fui lá fazer um cafezinho. E foi aí que descobri: Caí no golpe do café gourmet. O café tradicional de uma marca que conhecia e gostava estava intragável. Será que a qualidade caiu? Será que foi o papel diferente? Será que a água estava estranha? Depois de mais algumas tentativas entendi: O café era o mesmo, meu paladar que foi mimado e minado por cafés lindos e cheirosos que me impediriam de ser feliz com café baratinho provavelmente pro resto da vida. Quando me falaram desse golpe achei que era uma piada, mas estou aqui, refém do café gourmetizado, olhando o tipo e a origem antes de comprar e fingindo que não estou pagando o preço que estou pagando.
Que fique o alerta com esse tipo de golpe.